Urbanidades

Calçada entre o Conic e o Conjunto Nacional, zona central de Brasília, uma hora da tarde.

O rapaz tira por um instante o saxofone da boca para descansar. Desde as dez está ali plantado, tocando. A seus pés, o chapéu espera moedas.

Uma velhinha passa e pergunta:

– Você é músico, meu filho?

Ele olha pra ela, em volta. O sol está com tudo.

– Não, minha senhora, sou açougueiro. Vai picanha aí, freguesa?

E naturalmente mostra o sax pra quem passa sem entender nada.

sax

 

açougueiro

“Você não gosta do vento,
prefere a janela fechada,
por que não despenteia o cabelo
não levanta a cortina
e a poeira não entra.
A poesia te assusta,
por que ela não é receita
bula
fórmula de laboratório,
não tem a exatidão palpável
do que é comprovável e comprovado,
do que dá segurança.
Os bares cheios te incomodam:
antes o silêncio dos hospitais
e a ordem dos quartéis.
As festas te assustam,
a música alta te exaspera.
Melhor a TV sem som
na sala escura
no fundo da noite.
A tua opção é a comodidade da morte
em vez do risco da vida.”

Agosto, 2014

casa fechada

Declaração de não-voto

Não me parece coerente com qualquer ideia de mudança e renovação a ausência de proposta para amparar legalmente aquilo que todo ser humano tem de mais valioso: a liberdade de escolher com quem quer se relacionar e viver.

O direito de amar homens ou mulheres deve ser respeitado como decisão de foro íntimo sobre a qual não cabe julgamento e muito menos condenação, mas que merece a segurança legal que o Estado deve a quem é cidadão de bem, cumpridor da lei e pagador de impostos. Independentemente de qualquer espécie de opção.

O reconhecimento a esse direito oficializa as novas faces da família, e família é o caminho contra a delinquência juvenil. Pode também ser o destino de muitas crianças que abarrotam os orfanatos, muita delas que, inclusive, por serem negras ou possuírem alguma deficiência, passam longe dos sonhos de muitos casais que formam a chamada família tradicional e bem aceita socialmente.

Mas o que mais me preocupa nem é que uma ideia de mudança não traga a previsão de leis assegurando legalidade ao que o coração de cada um determinou como escolha de vida. Meu alarme maior é em relação à religião se imiscuindo nisso que deve caber apenas ao estado. E não apenas interferindo, mas demonstrando que quer o poder e que se apronta para ser pilar de governo.

Isso não é uma declaração de voto.

É uma declaração de não-voto.

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