Novo romance de João Almino focaliza a construção de Brasília

Por Alexandre Pilati.*

 

Foi lançado no último dia 14 de maio o mais novo livro do romancista brasileiro João Almino intitulado Cidade livre. Trata-se de uma interessante narrativa sobre os anos de fundação de Brasília que mostra a vida dos operários que construíram a capital entre 1956 e 1960.

Com este título, João Almino chega ao quinto livro da sua série de romances sobre Brasília. Os anteriores, todos muito bem recebidos e premiados, são: Samba-enredo, As cinco estações do amor, O livro das emoções e Ideias para onde passar o fim do mundo. A chegada de Cidade livre consolida o nome de João Almino, ainda que meio a contragosto, como o grande romancista de Brasília.

Uma narrativa sobre sonhos e desencantos

Cidade livre é um romance que já nasce com um respaldo crítico e acadêmico poucas vezes visto na literatura contemporânea. Dois dos maiores estudiosos da literatura brasileira em atividade apresentam, em textos críticos, o romance. O prefácio é de Benjamim Abdala Jr. e o texto de apresentação é da Prof. Walnice Nogueira Galvão.

A história oficial de criação de Brasília é contada por um narrador não oficial, em Cidade livre. Ele é um médico psiquiatra que abandona a profissão para relatar aquilo que vê. Mais tarde, essa narrativa é retomada por seu filho jornalista por meio de um blog de raros leitores. Essa talvez seja a grande inovação formal do livro, que acaba imitando o formato de um blog, incluindo até mesmo os comentários dos poucos leitores. Um desses poucos leitores que deixam recados no blog tem, inclusive, o nome João Almino.

A partir desse verdadeiro mosaico ficcional, diversas histórias vão se cruzando. No cenário do gigante canteiro de obras, os personagens do romance misturam-se a figuras históricas, como Juscelino Kubistchek e Bernardo Sayão, respectivamente idealizador e empreendedor da capital. Além desses, aparecem também visitantes ilustres de Brasília, tais como Aldous Huxley, Elizabeth Bishop e Fidel Castro. As aparições dessas personagens vão se costurando à pluralidade social da chamada farândola social que ajudou a pôr em prática o sonho de uma cidade criada a partir do nada. São candagos, empreiteiros, aproveitadores de negociatas, idealistas, políticos, místicos de seitas salvacionistas entre outros.

São eles que habitarão a “cidade livre” do título, que, como sabemos, foi o primeiro nome do atual Núcleo Bandeirante, e que estava fadada ao desaparecimento quando fossem terminadas as obras de Brasília. A cidade não desapareceu e as suas histórias permaeceram. O título do romance, assim, acaba sendo uma metáfora da mistura de sonho realizado e utopia ainda não alcançada que estava na cabeça de muita gente que veio construir a cidade na segunda metade dos anos 50.

Um autor consagrado

João Almino é um escritor consagrado. Já venceu diversos prêmios importantes com seus romances sobre Brasília, entre eles o Jabuti e o Prêmio Casa de Las Américas. Nascido em Mossoró, em 1950, Almino é escritor e diplomata. Além disso, ele tem publicado diversos textos sobre história, filosofia política, bem como ensaios literários sobre diversos autores. João Almino também é professor e deu aula na UNAM (Universidade Autônoma do México), na UnB e nas universidades de Berkeley e Stanford. Com toda essa experiência, ele se diz um apaixonado por Brasília, e toma-a como um dos seus principais objetos ficcionais. Para ele, “Brasília representa o moderno sobre o qual já se pode olhar como se fosse o passado”.

João Almino mantém uma página na internet com muitas informações sobre a sua obra e diversos textos de sua autoria. O endereço é www.joaoalmino.com.

Alexandre Pilati participa comigo na BandNews FM do bate-papo literário. Às 2ªs vai ao ar às 16h51. Nas terças, você confere às 11h31. BandNews FM 90,5 – Brasília.

O diabo não é tão feio.

Na última segunda-feira foi comemorado o Dia Mundial sem Tabaco, ou seja, dia de combate ao fumo. Como geralmente só tomo conhecimento dessas datas lá pelo meia da manhã, não consigo escrever nada sobre elas no dia em que são comemoradas. Mas nesse caso vale tocar no assunto, mesmo que com o atraso de dois dias.

Fumei por 17 anos, larguei há pouco mais de seis. Tempos depois de pararmos, adquirimos a consciência que, dominado pelo vício, o fumante não consegue ter, a de que a vida dele ficaria bem melhor sem o cigarro. E não é apenas no aspecto físico. Deixar de fumar tira um peso da consciência. Aliviado, você assiste às (poucas) propagandas de cigarro sabendo que não está mais se matando um pouco mais a cada tragada.

Provavelmente o que desmotiva o fumante a abandonar o cigarro é o esforço que terá que fazer. Sei que há casos e casos. No meu, é claro que foi difícil. No entanto, menos do que pensei que seria, menos do que talvez o senso comum ache que seja.

Eram 16h30 de uma sexta-feira. Tomei um café preto, acendi um Marlboro e dentro de mim falei – em tom solene, até – esse é o último. Estava, ali, chegando à parte mais importante de um processo iniciado cerca de um ano antes, quando passei a “desacostumar” meu organismo com a nicotina. Acordava, tomava café, e resistia até onde podia para acender o primeiro cigarro, segundo os especialistas um dos elementos-chaves da cadeia do vício. Só fumava quando estava já babando e mordendo os dedos, tentando me pendurar no teto e de cabeça para baixo. À tarde, fazia o mesmo. Após o almoço, me “torturava” até o fim da tarde. Dessa forma, a cada dia me tornava mais forte contra o vício, conseguindo ficar mais tempo longe dele. Houve dia em que fumei apenas um cigarro, e naquela sexta-feira senti que estava forte o suficiente para dar adeus definitivamente ao vício.

No dia seguinte, não abri mão das coisas que gostava e que sempre me aproximaram do cigarro. Bebi um belo café preto encorpado de manhã e, como era um sábado, também tracei um rascante tinto chileno e uma temperada pizza calabresa. Meu raciocínio era simples. Se eu abdicasse dessas coisas durante seis, sete meses para que as tais crises de abstinência não fossem tão cruéis, quando eu voltasse a elas talvez o baque fosse mais forte e eu pudesse jogar por terra todo meu esforço. E eu estava determinado a não fazer isso.  

Os dias que se seguiram foram de duelo interno entre a razão, me provando a cada segundo longe do cigarro que a minha vida ficava melhor sem ele, e a falta do alento que na verdade o fumo traz em momentos tão frequentes quanto diversos: no carro ao sairmos da garagem, depois que acabamos de escrever, a espera em algum local de compromisso profissional.

Na luta contra o dragão do vício, descobri artifícios que me ajudaram. Mastigava cravo e bebia litros d’água quando a vontade apertava muito. Fiz da corrida uma obrigação diária, para que meu espírito se convencesse de que o ar era bem melhor para os meus pulmões do que a fumaça. Mas acima de tudo, me determinei a não reduzir meu tempo de vida ao lado de minhas filhas.

Não procurei ajuda. Não recorri a chicletes, adesivos, grupos de pessoas que querem largar. Mas tudo isso é válido e a pessoa não deve se sentir menor se precisa de ajuda para largar o cigarro. Deixar o fumo é uma grande vitória, e ela tem o mesmo se conquistada sozinha ou com auxílio.

Preciso ser sincero e dizer que mesmo anos depois, em algumas vezes, ainda lembro do cigarro. Não sinto propriamente vontade de fumar, mas lembro que em uma ocasião igual àquela eu certamente acenderia um belo mata-rato (todos são mata-ratos, não importa o preço). Mas automaticamente vem a certeza do quanto ganhei nesses anos longe do vício, o quanto me tornei mais inteiro para curtir a vida.

Tenha a consciência de que em um ex-fumante, o cigarro é um cachorro preso no fundo do quintal, um cachorro ao qual não damos comida há muito tempo, mas que apesar disso não morre. Fica lá, cada dia mais fraco e esquálido, e ainda assim às vezes ainda encontra forças para dar um latido, por mais raquítico que seja. Mas aí a gente vai lá no fundo do quintal e dá um berro “cala a boca, cachorro!”. E a vida continua a cada dia melhor.

Normalidade

Os que rechaçam a idéia da intervenção federal no Distrito Federal argumentam que a vida dentro das instituições transcorre dentro da normalidade. Classificam como normalidade a eleição indireta de um governador por um parlamento local que tem pelo menos 1/3 de seus componentes denunciados por corrupção.

O governador, em que pese não haver qualquer denúncia contra ele, integrou o último governo que chafurdou na lama e é cria política do antecessor do último mandatário na capital do país. Vale lembrar que as denúncias sobre o esquema de corrupção local em Brasília, que estarreceram o país no ano passado, atingem também o “anteontem” do governo do Distrito Federal. O penúltimo governador também se vê às voltas com rumores de bandalheira, o que, inclusive, reduziu a apenas seis meses a sua passagem pelo Legislativo.

Pensando em normalidade, aproveito o protesto de um ouvinte da BandNews FM – 90,5 Brasília. Na última semana ele relatava o périplo de sua empregada a procura de atendimento para o pai na carnificina dos hospitais públicos. Esperou seis, sete, oito horas para ver a cara do médico, sendo que havia gente há quinze horas no banco da emergência.

Enquanto isso, a mesma suspeita Câmara Legislativa que elegeu o governador, aprovava a entrega de uma bolada de R$ 6 milhões que foram repassados aos empresários de ônibus. O dinheiro era uma espécie de complemento para alimentar o sistema estúpido de recarga de cartões dos estudantes das escolas públicas, que assim entram “de graça” nos coletivos. Ainda não descobriram o quão mais simples seria se o estudante, para viajar de graça, necessitasse apenas do uniforme e da caderneta escolar. Aliás, descobriram sim. Descobriram também que desse modo simples não era possível meter a mão no dinheiro público. Mesmo que não se prove, todo mundo sabe que sai das empresas de ônibus parte da lenha que queima na fogueira das campanhas políticas.

Fora isso, há alunos sem aula de informática porque a burocracia não autorizou a instalação de rede para que os computadores sejam ligados; há um metrô que sai dos trilhos, que atrasa e para no meio do caminho; operações tapa-buracos nas ruas tapando os mesmos buracos de todos os anos, e uma Polícia Militar dizendo que não pode fazer nada contra arruaceiros que gritam e escutam música alta em lojas de conveniência pelas madrugadas. Ou seja, tudo realmente dentro da normalidade.

Essa revoltante normalidade brasileira que já conta 510 anos.

Rolar para cima